domingo, 27 de março de 2011

Fim de semana


 Esse fim de semana viajamos para a casa dos pais da grávida, são 450 km de onde moramos (por isso este post atrasado), mas a viagem sempre vale a pena. Como já estamos no sexto mês, é muito provável que não voltaremos para lá antes do nascimento da Alice.

 Não maldigo a distância, pois o caminho também faz o destino ser especial. Por lá encontro uma terra boa para morar, boa para viver. A beleza está pelas ruas, nas pessoas e nas casas. Tudo muito belo, muito bem cuidado, espalhando um ar tão agradável que só pode ser amor. 

 O trato com as pessoas, mesmo para um forasteiro como eu, é marcado por uma simpatia, uma educação, uma doçura que me seduzem e  não cansam. A cidade tem seu charme, sua identidade, tem até requinte e sofisticação. Arrogância? Pelo contário, a simplicidade que conquista. 

 Nunca soube por que motivos me sentia naquelas terras como se estivesse na Europa. Hoje sinto que é por conta da ausência do sentimento de periferia. As pessoas por lá não estão voltadas para algum centro, pelo contrário, sentem-se plenas, contentes.

 Fico impressionado como são agradáveis, até mesmo os bairros ditos ruins, cujas casas, mesmo que falte completar o acabamento, já apresentam, no desenho do portão ou no projeto da fachada, algum toque, ainda que singelo, de beleza.

 Às vezes fico teorizando porque a cidade é tão bem arrumada, elaborei a tese de que essa característica é influência da indústria que marcou e ainda marca a economia da cidade: a produção de calçados. Por ser uma indústria da moda, em que a beleza é fundamental, o dia a dia dos trabalhadores é produzir algo belo, assim, de alguma forma, eles levam essa técnica e essa vontade para suas vidas. É tese para mesa de bar.

 Tenho muito orgulho de ter morado lá por cinco anos e me casado naquelas terras. Se a Alice não vai nascer por lá, não é motivo para choros ou dramas, pois cada um tem sua história, a mamãe é uma mulher independente e os avós e tios poderão vir para cá presenciar o nascimento.

sábado, 19 de março de 2011

Tímido no Brasil

 Já que escrevi sobre os ingleses, agora escrevo sobre os brasileiros. É fato velho, por isso importante escrevê-lo logo, antes que a memória se desfaça.  Aliás, este blogue me serve de caderno de anotações, que tomei a coragem de compartilhar.

 Quando fui comprar o teste de gravidez na farmácia, talvez tenha escapado pelo canto dos olhos, pela cabeça baixa ou por um tremor da voz, a minha timidez. Pois é, eu sou um cara tímido, sou assim desde as minhas primeiras recordações de infância e já estou ciente de que sempre vou sê-lo.

 É claro que aprendi a superar a timidez nos mais diversos contextos, mas isso nunca fará de mim um cara desinibido ou extrovertido.  A melhor vitória não significa eliminar o inimigo, está mais para dominar o inimigo, embora o melhor mesmo seja transformar a força negativa que o inimigo lhe oferece numa força positiva.

 Inconscientemente ou não, já dei muitas caras para a minha timidez, um charmoso ar blasé, um sujeito dramático incompreendido, um rebelde antissocial, um intelectual de esquerda, um libertário político, social e comportamental.

 Relembrando agora, sinto que a adolescência é um período bem interessante, efervescente, fiquei até com vontade de reler Roberto Freire, não o político, mas o psiquiatra e escritor.

 Ser tímido no Brasil acredito que seja ainda mais desafiador. Há invasão e evasão de privacidade a todo momento e por todos os lados. Vejam só. 

 Comprar o teste de gravidez na farmácia não despertava minha timidez, ainda que a situação se assemelhasse a comprar camisinhas, mas o vendedor, como bom brasileiro, achou que era importante quebrar o gelo, ou só quis puxar um assunto mesmo. 

 Ele não teve o menor receio de ir direto ao ponto: Você tá torcendo pra vir ou pra não vir?  Eu não estava preparado para pergunta, mesmo porque não estava torcendo para nada, então após uma pausa respondi um "tanto faz" sem graça, apenas para o silêncio não se tornar constrangedor, ainda que eu duvide da minha capacidade de constranger uma pessoa como ele.

 Se eu estivesse inspirado no momento, teria dito que estava como o Zeca Pagodinho, "deixa a vida me levar", mesmo sendo uma grande mentira, pois além de estar ciente de que o verso não é do Zeca Pagodinho, no máximo eu estava levando o barco devagar.

 Mas o bom brasileiro não se importou com a minha resposta e já emendou: É o primeiro? Depois, sem perceber a ironia, arrematou: Ah, filho é muito bom, eu tenho dois e não quero mais não.

 Isso não acontece só para mim. Minha mulher me contou que foi comprar um sutiã e a vendedora, um tanto impressionada, perguntou se ela tinha colocado silicone no peito! Deixando a intromissão de lado, achei a pergunta muito divertida, pois o que os livros chamam de aumento do volume dos seios é visto, socialmente, como uma turbinada. E é mesmo.

 Aos poucos aprendi o valor dessa postura tipicamente nacional, ainda que na maior parte das vezes eu prefira ficar guardado bem dentro de mim, às vezes me flagro dando corda a uma conversa dessas e encontro boa discontração e conforto pessoal.

 Ah! E não é também essa cheretice que impede de acontecer por aqui crimes de cárcere privado cabulosos como o caso do  Monstro de Amstetten, que manteve sua filha enjaulada por 24 anos, estuprando-a e fazendo nela 7 filhos? Imagino o cara da farmácia pensando: esse velhinho está levando viagra e cinco pacotes de fraldas infantis por dia, alguma coisa está errada, vou passar na casa dele...

sábado, 12 de março de 2011

Só para mim

 Um professor da faculdade disse e eu não esqueço que conhecimento é linguagem. Dominar determinado conhecimento é dominar a linguagem respectiva. Ele exemplificava com a folha de uma árvore. Um leigo poderia atribuir umas dez palavras para caracterizá-la (pequena, verde, abaloada, fina...), já um botânico era capaz de escrever uma dissertação de mestrado para caracterizar a mesma folha. Até pouco tempo atrás, para mim, todo carrinho de bebê era simplesmente um carrinho de bebê. 

 Esses dias estávamos conversando com uma amiga, quando fomos interrompidos pela chegada de um casal desconhecido para nós, mas conhecido dela. O casal trazia um sorriso no rosto e seu bebê num carrinho. Ele logo se tornou o centro das atenções, numa atração mágica que esses pequenos seres possuem. Cumprimentamos, sorrimos e já nos despedimos. Tudo certinho, nesse encontro rápido e corriqueiro.   

 Já distante, perguntei à minha mulher, você viu o carrinho deles? ela, expressando a cumplicidade do nosso relacionamento, não hesitou em assumir, prestei mais atenção no carrinho do que no bebê.

Pois é, eu também não dei a menor bola para o bebê e fiquei atento às propriedades e especificações do carrinhoAssim me lembro de que sou humano, tenho uma dose de egoísmo, que julgo socialmente aceitável.  Não há maldade, a  verdade é queremos o melhor para a nossa filha e não vemos a hora de ter um bebê só para nós.

 PS: Se o carrinho que vimos fosse o mesmo da foto, tenho certeza que vocês também olhariam mais para ele do que para o bebê. Acho que vamos comprar um bem apagado, para que todo o destaque seja para a Alice!

sábado, 5 de março de 2011

Oligoidrâmnio 2

 Ontem fizemos novo ultrassom, para acompanhar a quantidade de líquido amniótico e o desenvolvimento do feto, que neste blogue resolvi chamar de bebê.

 O líquido continua no mesmo índice anterior: a quantidade mínima aceitável. A notícia é muito boa (ainda que pudesse ser melhor), pois é sinal de que não está havendo perda de líquido, o que seria preocupante. Por estar no mínimo, os médicos recomendam repouso e muita hidratação, pois se perdermos líquido a barriga da mamãe já não vai ser tão confortável para o bebê e talvez seja melhor que ele termine seu desenvolvimento aqui fora.

 Para isso, os pulmões precisam estar prontos para operar, sendo então indicada uma injeção que acelera o desenvolvimento dos pulmões. Não vejo com bons olhos essas interferências na natureza, mas os médicos garantem que é seguro. Esse é o nosso maior risco: um parto prematuro.

 Fora o líquido baixo não há qualquer sinal adverso. O desenvolvimento da nossa filha está totalmente dentro do esperado e não há sinal de sofrimento fetal. Ela está do tamanho esperado (pezinho mede 4 cm.), no peso esperado e os batimentos cardíacos e a pressão arterial, tanto da mãe quanto do feto, estão funcionando perfeitamente.

 A gravidez não é doença, mas é um momento especial.

Balada de carnaval

 Depois de um dia de trabalho, chegamos em casa, tomamos um banho e, como é sexta-feira, é carnaval, decidimos sair para um passeio tranquilo e até trivial, comer fora e ver cinema nacional. Mas decidimos errado.

 Mesmo antes de sair de casa notei que algo não estava bem. Impliquei com minha esposa devido à quantidade de vezes que ela se trocava para escolher a roupa certa. Queria dizer que ela estava bela e deveria se acostumar com a nova forma. Mas expressei-me mal. Ela pensou que era uma implicância de marido apressado, ela disse que não ficaria feia só porque estava grávida e, como boa esposa que é, mesmo contestando, se apressou. 

 Impliquei novamente, pois pressa era exatamente o que eu não queria, tentei esclarecer que uma mulher grávida deve se preservar mais, se cuidar mais, sem que isso signifique ser uma mulher resmungona, dependente do marido ou da mãe. Claro que implicâncias não esclarecem nada, mas podem abrir à força o buraco onde se plantam as sementes.

 Entramos no carro, quando esperávamos tudo se acalmar, nossa filha mostrou quem manda, ficou agitada, começou a chutar e assim nos lembrou que ela tudo sente e presencia. Imediatamente decidimos voltar para a casa e repousar.  A grávida passou a aceitar um novo limite, um novo ritmo para seu corpo e sua disposição, eu fico pensando em como posso ajudá-la.

 Chegando em casa, nada de televisão, nem precisamos ligá-la para saber que não vai nos agradar. Pedimos uma pizza por telefone e nos largamos na cama à toa. Pensei em tomar uma cerveja. Pensei se alguma vez na vida eu já tinha tomado uma cerveja de pijama na cama. Talvez pelado? Mas não me lembrei de nada.

 Os antigos dizem, o casamento só começa quando vêm os filhos. Gostei muito dessa frase que meu tio me transmitiu. A primeira questão que me intriga é se já devo já incluir o meu tio entre os antigos, ao menos para mim, já que foi ele quem me disse. Mas não sinto assim, meu tio é jovem, ele não terá como escapar quando eu, dando continuidade na tradição, repetir essa frase aos meus filhos e sobrinhos.

 Essas frases cristalizam o conhecimento popular. Eu já sinto que se aproxima um novo equilíbrio no casamento, que o desafio de educar os filhos traz consigo o desafio do relacionamento do homem com a mulher.

 A gravidez aflora o ditador que mora dentro de mim. Tenho uma vontade enorme de interferir na vida dela, tomar decisões por ela, pensando no bem de nossa filha. Algumas decisões são bem pequenas, como obrigá-la a usar chinelos, não descer a escada para buscar água, não ficar de cabelo molhado, não abaixar para nada. Outras já são bem maiores e nunca pensei que iria senti-las, por me parecerem demasiadamente antiquadas, como proibi-la de trabalhar.

 Estou ciente de que isso é só o começo, mas é um bom começo.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Tá gorda, hein?

 Gostamos de reclamar dos travamentos do windows, mas as pessoas também travam. Alguns conhecidos, que não estão sabendo da notícia, olham a barriga da minha esposa e ficam mudos! A voz engasga, os olhos se perdem, há um ar abobalhado. Eu consigo até ouvir o pensamento do cara: tá gorda ou tá grávida, e agora!?

 Tudo bem, eu compreendo, é uma sinuca social, beco sem saída. Não dá para perguntar se a mulher está grávida. É o mesmo que chamá-la de gorda.

  Os homens, cientes dessa situação, adoram perguntar aos amigos "tá de quantos meses?", "é para quando?", como gozação para chamá-los de gordos. Mas o amigo obeso geralmente já tem a resposta pronta: "tá quase nascendo, o bracinho já tá para fora, você quer pegar?"

 Na verdade, a barriga da grávida já está bem diferente de barriga obesa. Usando as roupas certas (tem até mini-saia desenhada para grávidas), é uma barriga muito sexy, firme, perfeitamente arrendondada, muito charmosa e cheia de vida!