Se você me ligasse
para conversar, provavelmente ouviria um trecho da história cuja
versão completa conto aqui. 7 de setembro, feriado nacional, caiu
numa quarta-feira, não é um feriadão, mais parece um dia de
trabalho em que não trabalhamos. Para aproveitarmos, começamos
ontem, seguindo a ousada sugestão da mamãe, locamos um filme para
assistir em casa, depois das 20h, horário em que geralmente
dormimos, para nós, dormir 22h30 é o equivalente a madrugar, mas
estamos dispostos a essa aventura. Tudo funcionou como planejado,
mamada para Alice 19h30, pouco depois ela já estava dormindo. Então
vimos, sem interrupções, “Biutiful”, que foi uma escolha minha.
Já imaginava que seria um filme pesado, mas para quem viu “Leonera”
na gravidez, sem traumas, considerei que não teríamos problemas,
como realmente não tivémos, apenas ficamos comovidos e tristes. Em
verdade, esperava encontrar no filme um pouco mais da beleza, ainda
que em meio das misérias humanas, que a transformam na tal “belesa”,
que lhe serve de título. Até há beleza no filme, mas ela só
serviu para nos transmitir mais tristeza e a amargura, que ao final,
só nos restou dormir, então fomos direto para a cama, já que
qualquer vinte minutos é tempo precioso quando se tem um bebê em
casa. Mamãe adormeceu rapidamente, mas eu não parava de pensar e
pensar, não no filme, mas em questões profissionais que me deixaram
ansioso e me tiraram da cama. Fui para a internet e só me desliguei
dela 1h30 da manhã, ainda esperto, pois o computador, muito
diferentemente de livros, não me encaminha para o sono. Então
bastou ler dez minutos da Teoria Pura do Direito e pronto, finalmente
passei para o lado de lá da vigília. Alice, conforme sua rotina, só
acordou 4h40, para mamar, eu levanto também, sem o menor mau humor,
para acalentar minha filha, enquanto a mamãe toma água e pega a
almofada, então coloco o bebê no peito dela, anoto o horário da
mamada no caderno, deixo um relógio para mamãe acompanhar o tempo,
verifico se ela tem um paninho babadouro por perto, preparo a manta
que irá embalar nossa filha novamente, pergunto se a mamãe quer
mais um copo de água ou outra coisa. Tudo isso não dura mais que
dois minutos e volto a dormir, surpreso comigo mesmo, por conseguir
acordar bem humorado, mesmo estando com o sono atrasado. Na primeira
semana, acordar para essas tarefas me deixava atônito e
mal-humorado, hoje, pelo contrário, penso até que terei saudades.
Aliás, é pelo receio dessas possíveis saudades, ou, pior ainda,
pelo receio de esquecer disso tudo, que vou deixando esses escritos
por aqui. Alice, também seguindo seu costume, acordou 7h30, a mamãe
foi vê-la e, dessa vez, extraordinariamente, muito fora do costume,
o bebê vomitou uma grande quantidade de queijinho, o que assustou a
mamãe, foram dois volumosos jatos. Tive que rapidamente levantar,
pegar o bebê todo melecado e acalmar a mamãe, para que ela não
passasse seu susto para o bebê, que estava melecado, mas estava
tranquilo. Novamente, fiquei surpreso comigo, pois apesar de não ter
ido dormir 20h, como de costume, estava com disposição para começar
o dia e a nossa rotina que agora conto para vocês. Tirando algumas
variações, como hoje, que tivemos que trocar os lençóis e o
protetor do berço, a Alice acorda por volta das 7h, mama, o que a
deixa relaxada, então descemos eu e mamãe para o nosso café da
manhã, enquanto o bebê fica na sua cadeira de balanço, ela dá uma
choradinha vez em quando, cada dia menos. Findo o café, damos o
banho, o que é feito no quarto. Cabe a mim encher a banheira com
água quente do chuveiro e carregá-la até o quarto. Não temos
termômetro, às vezes, precisamos acertar a temperatura com uma
panela de água fria. Penso que essas variações da temperatura da
água preparam nossa filha para as surpresas do mundo. Penso que sou
muito bobo ou exagerado por ter esses pensamentos. A mamãe é quem
dá o banho, eu pego a Alice saindo da banheira com a toalha, enxugo,
passo pomada, coloco a fralda e a roupa que a mamãe escolheu. Só
então eu vou tomar banho e saio para trabalhar, às vezes, para
acelerar, já tomo banho antes do café, enquanto a Alice está na
primeira mamada do dia. No começo, mamãe também tomava banho de
manhã, mas agora, para agilizar, está tomando banho de noite. Está
tudo orquestrado, com espaços para improvisos. Depois do banho,
Alice dá outra mamada, fica brincando por volta de 40 minutos e
dorme bastante, umas duas horas, tranquilas, tem dia que dorme até
mais que isso. Temos bastante segurança nesse sono da manhã. Por
vezes, como neste feriado, passo a manhã com a Alice, para que a
mamãe possa sair de casa, espairecer, o que faz indo ao
supermercado. Como hoje é feriado, não tem empregada para fazer
almoço em casa, nos viramos com uma industrial lasanha congelada e
alface que já estava lavada na geladeira. Alice ficou bem durante o
nosso almoço, em sua cadeirinha, mas não é sempre assim, por
vezes, quer colo, quer passear, chorar um pouco. Quando ela fica
muito inquieta e insatisfeita, penso que a vida pode ser mesmo
entediante, principalmente quando não conseguimos nos distrair por
nossos próprios meios. Lembro que precisamos cultivar a
independência dessa menina e isso não parece muito fácil. Para a
tarde, planejamos um passeio no parque. Gostamos de sair logo após a
mamada, para aproveitar melhor os intervalos entre as mamadas, mas
dessa vez foi preciso trocar a fralda, com cuidado, pois a barriga
cheia proporciona vômitos. Já imaginou alguém levantando suas
pernas, comprimindo e erguendo o seu abdômen? Vomitar era o que um
adulto faria de mais delicado.
No carro, eu aperto o cinto de
segurança cinco pontos da Alice, pois a mamãe tem um pouco de dó,
acha que é incômodo, muito justo, aliás, ela gosta de tudo bem
largo para o bebê, diz que é mais confortável, dessa vez, mamãe
vai dirigindo, pois quer se acostumar com essa tarefa, o que foi bom
para mim, que recebi o telefonema de um amigo de faculdade, que
também é papai, conversamos sobre trabalho e filhos, gosto muito de
ouvir meus amigos. Chegando no parque, uma pequena dificuldade para
estacionar o carro, minha esposa ficou por lá e eu fui procurar uma
vaga para estacionar, nem demorou muito, voltei para o parque e tive
uma antiga fobia, que me acompanha desde a infância. O parque é
grande, estava cheio de gente e crianças, passo o olho ao redor, não
encontro minha esposa e filha, fico pensando e sentindo que estou
perdido, que elas se perderam, que não vou encontrá-las mais, bate
um pequeno desespero que dura poucos minutos, pois já aprendi a não
deixá-lo crescer. Calmo, encontro com alegria o carrinho verde kiwi
da Alice e a mamãe atenciosa, um beijinho e vamos passear entre as
árvores e flores, muitas crianças correndo, brinquedos de diversos
tipos, roda de crianças ouvindo dois palhaços, aviões de exibição,
paramos para algumas fotos. É tudo muito gostoso, Alice nos faz
resgatar alguns encantos da infância, mas penso que vou enjoar disso
algum dia, torço para que esse dia demore a chegar. Por enquanto,
Alice cansa do passeio antes de nós, começa a resmungar, só
sossega no colo, vamos até o carro, Alice mama novamente e dorme
logo em seguida, então passamos na locadora para devolver o filme e
na padaria, para comprar um café que acabou se tornando nossa janta,
mesmo. Um sujeito chato e folgado quer dinheiro para olhar o carro,
mesmo num dia pacato como este, acontece que eu fiquei no carro
vigiando a Alice, enquanto mamãe comprou “jamón”, o que nos
recorda o prazer das viagens mundo afora. Já em casa, um dia feliz
como este, ainda tive tempo para escrever este texto, mas sem muito
tempo para reler. Já é quase 19h30, vamos trocar a fralda, dar mamá
com luz apagada, colocá-la sentadinha para arrotar, envolvê-la em
sua manta, aconchegá-la no colo e descansá-la no berço dormindo
com seu rosto angelical. Pronto! 20h30, vou dormir rapidamente que
amanhã, já pela madrugada, tem mais.