quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Entre nós

 Alice está deixando de ser bebê. Vem adquirindo habilidades fabulosas. Ontem mesmo, finalmente, aprendeu a assoprar o apito. Tenho aqui uma caixa de apitos de madeira de diversos tamanhos e formas para reproduzir o som de pássaros da amazônia brasileira.
 Até ontem, Alice punha o apito na boca e só o deixava babado. Às vezes, dava um gritinho, tentando fazer com a garganta o som que deveria sair do apito. Era engraçadinho. Passou dias assim, nós tentando mostrar como é que se assopra e fazendo altos sons, ela não conseguia fazer nada e tinha de aguentar nossas risadas. Deve ser muito estressante ser um bebê de um ano, mas Alice é firme, compenetrada e não desiste fácil.
  Pela alegria que ela demonstrou, imagino o quanto ela desejava apitar igual a nós. Abriu um sorriso imenso, seu rosto iluminado, um portal para a felicidade. Impossível não se contagiar. Não queria mais parar, ainda que, a cada novo apito, ela ficasse apreensiva, quieta, imóvel, como se fizesse um suspense para nós, então assoprava, o som ecoava e todos sorríamos deliciosamente, em família.
 Alice está cada vez mais do lado de cá, no nosso mundo. Mas ainda a flagro lançando seu olhar para o nada, de repente, grita, como quem chama, depois aguarda, atenta, grita de novo, como quem se despede. Espero, filha, que nunca se esqueça do lado de lá, que sempre há um lado de lá, que não é necessariamente o lado que nos opõe, nem quer o nosso mal. São apenas dimensões, sutilmente interconectadas, por estrelas, como você, habitante do cosmos, que nos traz luz, calor e alegria.