sábado, 19 de março de 2011

Tímido no Brasil

 Já que escrevi sobre os ingleses, agora escrevo sobre os brasileiros. É fato velho, por isso importante escrevê-lo logo, antes que a memória se desfaça.  Aliás, este blogue me serve de caderno de anotações, que tomei a coragem de compartilhar.

 Quando fui comprar o teste de gravidez na farmácia, talvez tenha escapado pelo canto dos olhos, pela cabeça baixa ou por um tremor da voz, a minha timidez. Pois é, eu sou um cara tímido, sou assim desde as minhas primeiras recordações de infância e já estou ciente de que sempre vou sê-lo.

 É claro que aprendi a superar a timidez nos mais diversos contextos, mas isso nunca fará de mim um cara desinibido ou extrovertido.  A melhor vitória não significa eliminar o inimigo, está mais para dominar o inimigo, embora o melhor mesmo seja transformar a força negativa que o inimigo lhe oferece numa força positiva.

 Inconscientemente ou não, já dei muitas caras para a minha timidez, um charmoso ar blasé, um sujeito dramático incompreendido, um rebelde antissocial, um intelectual de esquerda, um libertário político, social e comportamental.

 Relembrando agora, sinto que a adolescência é um período bem interessante, efervescente, fiquei até com vontade de reler Roberto Freire, não o político, mas o psiquiatra e escritor.

 Ser tímido no Brasil acredito que seja ainda mais desafiador. Há invasão e evasão de privacidade a todo momento e por todos os lados. Vejam só. 

 Comprar o teste de gravidez na farmácia não despertava minha timidez, ainda que a situação se assemelhasse a comprar camisinhas, mas o vendedor, como bom brasileiro, achou que era importante quebrar o gelo, ou só quis puxar um assunto mesmo. 

 Ele não teve o menor receio de ir direto ao ponto: Você tá torcendo pra vir ou pra não vir?  Eu não estava preparado para pergunta, mesmo porque não estava torcendo para nada, então após uma pausa respondi um "tanto faz" sem graça, apenas para o silêncio não se tornar constrangedor, ainda que eu duvide da minha capacidade de constranger uma pessoa como ele.

 Se eu estivesse inspirado no momento, teria dito que estava como o Zeca Pagodinho, "deixa a vida me levar", mesmo sendo uma grande mentira, pois além de estar ciente de que o verso não é do Zeca Pagodinho, no máximo eu estava levando o barco devagar.

 Mas o bom brasileiro não se importou com a minha resposta e já emendou: É o primeiro? Depois, sem perceber a ironia, arrematou: Ah, filho é muito bom, eu tenho dois e não quero mais não.

 Isso não acontece só para mim. Minha mulher me contou que foi comprar um sutiã e a vendedora, um tanto impressionada, perguntou se ela tinha colocado silicone no peito! Deixando a intromissão de lado, achei a pergunta muito divertida, pois o que os livros chamam de aumento do volume dos seios é visto, socialmente, como uma turbinada. E é mesmo.

 Aos poucos aprendi o valor dessa postura tipicamente nacional, ainda que na maior parte das vezes eu prefira ficar guardado bem dentro de mim, às vezes me flagro dando corda a uma conversa dessas e encontro boa discontração e conforto pessoal.

 Ah! E não é também essa cheretice que impede de acontecer por aqui crimes de cárcere privado cabulosos como o caso do  Monstro de Amstetten, que manteve sua filha enjaulada por 24 anos, estuprando-a e fazendo nela 7 filhos? Imagino o cara da farmácia pensando: esse velhinho está levando viagra e cinco pacotes de fraldas infantis por dia, alguma coisa está errada, vou passar na casa dele...

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