sábado, 22 de outubro de 2011

Dorme comigo

 Alice, acabei de te fazer dormir, no carrinho. Sua tia foi a primeira a fazer isso e, por algum tempo, a única que conseguia. Depois de mais de quatro meses dormindo apenas no colo, com o incentivo e o ensinamento da tia, bastaram duas semanas e já gostas de dormir no vai-e-vem do carrinho. 
  Deixe-me explicar melhor, para quem não é da área. Os bebês não sabem dormir. Podem estar com muito sono, mas não se entregam facilmente. O pais precisam preparar o caminho. 
  Hoje conheço os teus segredos. O primeiro é te enrolar  numa manta, prendendo teus braços e envolvendo teu corpo. Tu nasceste no frio e adora dormir enroladinha, no começo, quando se mexia parecia uma minhoquinha, um bicho de goiaba, um casulinho. Mesmo agora, com dias mais  quentes, é fundamental te envolver antes de dormir. Aliás, isso me fez pensar em mim, pois pode estar o calor que for, eu prefiro dormir embaixo do lençol. 
 Depois de enrolar, te pego no colo, bem junto ao corpo e começo um balanço suave. Fiz muitas experiências até descobrir qual é o embalo ideal para te aconchegar e acalmar, sempre contando com a ajuda da mamãe. O que fico intrigado, até hoje, é que tenho de estar de pé. Não adianta ficar sentado, ainda que simule o suingue de estar de pé. Tu percebes e choras sempre que sento. Há algo mágico em ficar flanando há um metro e meio do solo que não existe se o papai estiver sentado. 
 Como se não bastasse, tuas preferências mudam, inesperadamente começaste a recusar meu colo, esperneando e berrando. Após erros e tentativas, descobri que estavas cansada de olhar só para mim, preferias ficar com vista para o mundo.   
 Foi assim que perdi o medo do desconhecido que tive logo nos primeiros dias. Descobri que te fazer dormir no colo é a sensação mais próxima que conheço da plenitude. Transborda paz e ternura.
 Acontece que a vida não é feita apenas desses momentos. Sinto profundamente dizer que é cansativo te fazer dormir no colo todas as vezes, ganhaste peso e não poderemos ficar assim para sempre. Educar não é só amar e desconfio que a educação começa antes mesmo da gravidez. É uma opção de seus pais, queremos dar-lhe independência. Mimar demais pode ser gostoso para nós três, mas o risco é nos tornarmos todos adultos carentes, dependentes. Amor não é isso, pelo menos não deveria ser isso. O segredo está no equilíbrio, queremos que você se sinta independente, seguindo o seu próprio caminho, jamais queremos que você se sinta abandonada, largada no mundo.
 Mas eu estava mesmo te dizendo sobre tuas manias para dormir. Não é raro, mesmo acalentada no colo, te ouvir fazendo barulhos, por vezes gritos mesmo, segundos antes de dormir. É muito curioso, quem visse e ouvisse os berros jamais imaginaria que o bebê estava se encaminhado ao sono. É um berro nervoso e, no instante seguinte, como uma mágica, os olhos fechados e o corpo mole, totalmente solto, entregue, numa paz e serenidade.
   No vai-e-vem do carrinho, tu dormes direto, sem os berros, numa paz, então me parece que preferes assim e eu fico a pensar, condoído, que a independência não parte apenas de mim. Bom sono, filha, e obrigado por tudo, afinal, apesar dos trabalhos, pude escrever este texto todo antes que teu sono acabasse ou, mais que isso, pude experimentar e viver bons sentimentos.

5 comentários:

  1. Marcelo
    Só fico imaginando a Alice, daqui a alguns anos, lendo esse blog.
    Quanto orgulho em ter um pai tão dedicado e carinhoso.
    E é só! Mais alguma coisa?
    Nem precisa.
    Bjs

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  2. Deborah, as palavras escritas são mesmo poderosas. Por vezes, tenho medo de que um bug apague meu blogue, que está escrito nessas nuvens virtuais.
    É bom tê-la como leitora!
    Beijos

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  3. Ninhos e filhos.
    Querido pai, v. descobriu sozinho o ninho e seu significado pela educação interior. Melhor seria dizer que v. o inventou com a Alice. As crianças precisam desse aconchego, necessitam desse envoltório anímico. Ensinam-nos. Carecem desses "tubinhos" anelados, que se desdobram em tantas estações distantes, imemoriais, resvalando galáxias e planetas, tocando estrelas que se consonam e sonham com bebês. As estrelas são como os fetos frágeis. Ah... pudesse voltar aos misteriosos caminhos que nos trouxeram a este mundo duro de pedra e energia condensada, nos entregando em queda livre, tão livres quanto os limites das cobertas e do aconchego paterno...
    Só há dias descobri a chave de uma passagem de Andre Gide no Voo Noturno de Saint-Exupéry: "liberdade é o consentimento numa ordem".
    Querido pai. Os filhos nos elegeram desde sempre. Sabem-nos e por isso nos transformam. Sejamos tão livres quanto o arco de um ninho!
    Felicidades para o querido pai e a linda Alice, presente do Amor de Deus.

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  4. Eu vou usar as palavras de Hodding Carter que lembrei ao ler este seu post: "os dois maiores presentes que
    podemos dar aos nossos filhos são raízes e asas", sempre penso nisso, é um grande desafio...Maura

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  5. Belíssimas palavras e citações, nos dois últimos comentários. Obrigado, o Papai Salas.

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